Devo a minha paixão por Bob Dylan a uma miúda que foi o amor da minha vida quando eu estava na casa dos 20 anos. Chamava-se Grace Lovelace. Ela tinha 23 anos e eu 26, e estava a estudar para se doutorar em línguas e literatura inglesa. Era devota de Dylan e gozava-me pela minha ignorância. Ele era um daqueles ícones com o qual eu não sentia qualquer ligação – estava muito mais ligado à soul e era fanático pelo Elvis.
Contudo, esta miúda maravilhosa gravou-me uma compilação fantástica – e todos sabemos o grande impacto que as compilações podem ter. Esta cassete foi uma introdução a Dylan e fiquei viciado assim que eu ouvi... O presente da Grace contínua, até hoje, ser a melhor compilação que alguém alguma vez me deu. Ainda a tenho bem guardada. Foi o que instigou a minha obsessão pelo trabalho de Dylan.
Dylan possui muitos talentos, mas o que eu mais adoro no seu trabalho é a sua capacidade de se reinventar, mantendo sempre uma ligação relevante e uma sinergia com os tempos modernos. Só agora é que se percebe como era importante para ele reinventar a sua música
Tenho vindo a conhecer um pouco melhor o Dylan ao longo dos anos – e ele inspirou o que acredito ser o meu melhor desempenho como actor. Costumávamos treinar no mesmo ginásio e ele via-me treinar enquanto praticava o seu boxe. Pouco a pouco, fomos criando uma relação amigável. Isto foi na época de Pulp Ficition e, nessa altura, eu já tinha lidado um pouco com a fama – as pessoas aproximavam-se de mim e diziam as coisas mais disparatadas. É lisonjeiro ouvir aquelas coisas, mas mata qualquer possibilidade de conversa. Por isso nunca me revelei: o que significou podermos conviver no ginásio e ter conversas realmente interessantes. Na maior parte das vezes, falávamos de música e técnicas de gravação – ele abomina toda aquele parafernália de gravação e alta tecnologia tanto como eu. Três meses depois, eventualmente, consegui ganhar coragem para referir que “ Tangled Up In Blue” era a minha canção preferida. De todos os tempos. Foi a primeira vez que admiti ter ouvido a sua música – ter uma certa camaradagem com Dylan acarretava uma dose substancial de pressão.
Continuo um enorme fã da música que ele gravou durante os anos 70 – mas é o período com The Freewheelin' Bob Dylan (1963) e acaba com Blonde To Blonde que se destaca como o meu preferido. Dito isto, eu gosto muito do que acredito serem os dois álbuns mais subestimados de Dylan. O Primeiro é Self Portrait (1970). Herdei os álbuns de Dylan de um dos meus padrinhos, incluindo este – mas nunca o tocava.
Enquanto rodava o meu último filme, À prova de morte, em Austin, no Texas, descobri-o realmente.
O outro álbum subestimado que eu adoro é Planet Waves (de 1974). É uma obra-prima; a canção “Tough Mama”, sobre um artista e a sua musa, é uma das minhas canções favoritas de Dylan. Quando, numa fase passada da minha vida, estava com dificuldades em me situar com o artista, a tentar perceber o que iria fazer, aquilo que diz “ Tough mama” fez todo o sentido para mim. Curiosamente, eu tinha mais ou menos a mesma idade que ele quando a escreveu.
Devo muito a Bob Dylan e a Grace Lovelace por avivarem as chamas da minha paixão, com aquela cassete. O mais engraçado é que Grace deixou que as últimas músicas de ambos os lados acabassem a meio. A última canção da parte final da compilação “ If you see her, say hello”, cortada exactamente ao meio. Então, sempre que tocávamos Blood on the tracks, o álbum a que pertence, eu conseguia cantarolar ao longo da música inteira ate chegarmos à segunda parte.
Quentin Tarantino, in Blitz
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